Gustavo Gutiérrez, o teólogo peruano que combatia a pobreza com sua Teologia da Libertação
Intelectual e padre nos bairros mais desfavorecidos de Lima, Gustavo Gutiérrez, que morreu na terça-feira (22) aos 96 anos, foi considerado o pai da Teologia da Libertação, uma corrente de pensamento cristão centrada na dignidade dos pobres que teve grande repercussão política na América Latina.
Foi este religioso, que se tornou dominicano aos 76 anos, quem usou esta expressão pela primeira vez em 1968, em uma reunião da Conferência Episcopal Latino-Americana em Medellín (Colômbia), para aplicar os princípios de reforma do Concílio Vaticano II.
Ele também foi um dos primeiros párocos a denunciar as injustiças e desigualdades na América Latina. Segundo sua visão, a Igreja deve voltar a colocar os desfavorecidos no centro da sua ação e ajudá-los a libertar-se das suas condições de vida.
Gutiérrez escreveu o primeiro grande tratado sobre o tema, com o título "Teologia da Libertação: Perspectivas", publicado em 1971 e traduzido em todo o mundo.
Sua obra apresenta uma nova espiritualidade baseada na solidariedade com os mais necessitados e pressiona a Igreja Católica a participar da mudança das instituições sociais e econômicas para promover uma maior justiça social.
Seguindo seus passos, muitos católicos latino-americanos escreveram sobre o tema. Alguns foram criticados pelo Vaticano – e em particular por João Paulo II – por adotarem uma interpretação marxista e revolucionária do tema da libertação cristã. No entanto, o padre Gutiérrez nunca rompeu com a Igreja.
Foi justamente a ordem dominicana do Peru, à qual pertencia desde 2001, que comunicou sua morte e anunciou missas em sua memória e uma homenagem na Basílica de Santo Domingo, em Lima, nos próximos dias. O sepultamento será a partir da noite de quarta-feira.
- "Aliviar os pobres" -
Nascido em 8 de junho de 1928 na capital peruana, cresceu em uma família modesta, mas instruída.
Seu interesse por Psicologia e Filosofia o levou a estudar Medicina para se tornar psiquiatra. Porém, aos 24 anos, sua vocação ao sacerdócio falou mais alto.
Depois de se tornar médico em 1950 em Lima, seguiu para a Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, onde estudou Psicologia e Filosofia, e depois para a Universidade Católica de Lyon, onde estudou Teologia.
Ordenado padre em 1959, voltou ao Peru e foi nomeado pároco de Rímac, bairro pobre de Lima.
Foi no meio da pobreza que desenvolveu seu pensamento: a Teologia da Libertação propõe aliviar as condições de vida dos desfavorecidos, mas também transformá-los em atores da sua própria salvação.
Defende uma reorganização da sociedade e denuncia os estragos do capitalismo, responsável, segundo Gutiérrez, pelo sofrimento de muitos "irmãos e irmãs humanos".
- "Desafiar a consciência" -
Em 1974, fundou e dirigiu um centro de atendimento a desfavorecidos, o Instituto 'Bartolomé de Las Casas', em homenagem ao frade dominicano do século XVI famoso por defender os povos indígenas dos abusos dos colonizadores.
Também foi professor na Universidade Pontifícia do Peru e em diversas instituições americanas e europeias.
Sua Teologia da Libertação fez parte de um movimento sociopolítico mais amplo em uma época em que a América Latina estava dividida por desigualdades ainda mais profundas do que hoje.
Após a instauração de regimes militares na maioria dos países latino-americanos nas décadas de 1960 e 1970, os defensores deste movimento participaram ativamente da resistência contra as ditaduras.
Gutiérrez recebeu vários títulos honorários e prêmios em todo o mundo. Em 2002 ingressou na Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos.
Em seu 90º aniversário, o papa Francisco elogiou seu "serviço teológico" e "seu amor preferencial aos pobres e excluídos da sociedade".
O pontífice agradeceu "sua forma de desafiar a consciência de todos, para que ninguém ficasse indiferente ao drama da pobreza e da exclusão".
(F.Moulin--LPdF)