'Memory' e o medo de perder a cabeça, do diretor mexicano Michel Franco
O diretor mexicano Michel Franco captura um de seus piores medos em "Memory", um drama envolvente que aborda a demência, com Jessica Chastain e Peter Sarsgaard no elenco, apresentado nesta sexta-feira (8) durante o Festival de Veneza.
"Um dos meus maiores medos é perder a cabeça. Por isso o interesse de explorar a demência", explica Franco em entrevista à AFP, antes de apresentar a obra - escrita e produzida por ele mesmo, assim como todos seus trabalhos anteriores.
Chastain interpreta uma enfermeira solteira e ansiosa que comparece a um encontro de ex-alunos do ensino médio. Sua vida vira de ponta cabeça quando, na saída, um homem (Peter Sarsgaard) a segue até sua casa.
Nas últimas duas décadas, Franco explorou temas comuns como a maternidade - "As Filhas de Abril" -, as relações sociais no México - "Nova Ordem" - ou as doenças terminais - "Chronic" -, a partir de pontos de vista angustiantes o suficiente para desequilibrar o espectador.
No entanto, ele ressalta que seus filmes não nascem a partir de temas.
"‘Chronic’ saiu porque eu vi a enfermeira que trabalhava com minha avó, ela estava ali na minha frente todos os dias", conta.
Em "Memory", a primeira coisa que o diretor mexicano pensou "foi o momento em que, ao final de uma reunião de ex-alunos, um personagem segue o outro. Não saberia dizer o motivo nem quem eram. Mas isso foi a primeira coisa que me ocorreu".
O diretor de 44 anos foi vencedor do Grande Prêmio do Júri de 2020 em Veneza, com "Nova Ordem".
Seu último lançamento não aborda apenas a questão da demência na meia-idade, mas temas como incesto e a solidão na sociedade americana.
O filme possui diálogos precisos e conta com planos e detalhes visuais que dispensam palavras.
"Há cenas como o confronto familiar em que o diálogo é fundamental e não havia outra forma de resolver. Mas tudo que posso fazer sem o diálogo, melhor. A regra é 'menos é mais'", detalhou o diretor.
- Evitar lugares comuns -
Franco se destaca porque seus personagens se afastam dos lugares comuns.
Em "As filhas de Abril" (2017), a atriz espanhola Emma Suárez interpreta uma mãe que vai ajudar sua filha adolescente grávida, mas causa um dano irreparável.
Em um período de reivindicação da força das mulheres, o tema da mãe monstruosa reaparece em "Memory".
"Não sei qual a porcentagem de pais que fracassam. Fazem um péssimo trabalho, mas é uma porcentagem, não sei se é a maioria...", refletiu Franco.
"Mas tento não vê-los como vilões porque desse jeito fica desinteressante", acrescentou.
"Me interessam pessoas com falhas, que ainda não terminaram de se inventar. Pessoas com inseguranças, com medos, me dão mais confiança do que aquelas que acham que têm tudo claro".
O cinema autoral de Franco atraiu estrelas mexicanas e de Hollywood, um lugar onde ele espera nunca trabalhar.
"Eu nunca trabalharia em Hollywood", diz ele enfaticamente. "Eu nunca trabalharia para um estúdio onde não tivesse a versão final do meu filme".
"Onde me sinto confortável é na Cidade do México. Há menos regras. O que é muito interessante nos Estados Unidos são os atores. No México há bons atores, mas as grandes ligas estão em Nova York, em Los Angeles", explica o mexicano.
(F.Moulin--LPdF)