Jornalista vencedora do Prêmio Nobel alerta para 'tempos perigosos' após decisão da Meta sobre fact-checking
A jornalista filipina Maria Ressa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, advertiu em uma entrevista à AFP, nesta quarta-feira (8), que "tempos perigosos" estão por vir após a decisão da Meta de encerrar seu programa de verificação de fatos nos Estados Unidos.
Ressa, por meio do site de notícias Rappler, do qual é cofundadora, passou anos combatendo a desinformação e lutando contra processos judiciais movidos contra ela pelo ex-presidente filipino Rodrigo Duterte, mentor de uma guerra contra as drogas que matou milhares de pessoas.
Para ela, a decisão da empresa matriz do Facebook e do Instagram significa que “tempos extremamente perigosos” estão por vir para o jornalismo, a democracia e os usuários de redes sociais.
“Mark Zuckerberg diz que se trata de uma questão de liberdade de expressão, e isso está completamente errado”, disse Ressa à AFP em uma entrevista na redação do Rappler, em Manila.
“Somente se você agir com fins lucrativos é que poderá afirmar isso, somente se quiser poder e dinheiro é que poderá afirmar isso. O que está em jogo aqui é a segurança”, insistiu a vencedora do Prêmio Nobel de 2021.
Zuckerberg anunciou, na terça-feira, o encerramento de seu programa de checagem de fatos nos EUA, alegando que “tem sido muito tendencioso politicamente e destruiu mais confiança do que construiu”.
Em vez disso, o magnata da tecnologia propôs a criação de notas da comunidade semelhantes às usadas no X, que permitem que os usuários colaborem acrescentando contexto a outras publicações.
Alguns analistas interpretaram a decisão de Zuckerberg como um gesto em direção ao presidente eleito Donald Trump, um crítico feroz da Meta nos últimos anos, que na terça-feira saudou a medida.
Ressa, que também é cidadã americana, rejeitou as justificativas de Zuckerberg. “Os jornalistas têm um conjunto de regras e ética” a serem cumpridas, lembrou ela.
“O que o Facebook vai fazer é se livrar disso e permitir que mentiras, raiva, medo e ódio infectem cada pessoa na plataforma”, alertou.
As ações da Meta levarão a um “mundo sem fatos”, um “mundo adequado para um ditador”, advertiu.
“Mark Zuckerberg tem poder supremo”, disse ela, "e escolhe erroneamente priorizar o lucro, os lucros anuais do Facebook, em detrimento da segurança das pessoas nas plataformas".
- "Apenas o início" -
O Rappler é uma das mídias que trabalha com o programa de verificação do Facebook.
A Agence France-Presse (AFP) também trabalha com o programa de verificação de conteúdo do Facebook em 26 idiomas. O Facebook paga para usar as verificações de cerca de 80 organizações em todo o mundo em sua plataforma, assim como no Whatsapp e no Instagram.
O conteúdo classificado como “falso” é rebaixado nos fluxos para que seja visto por menos pessoas. Se uma delas compartilhar o conteúdo, receberá um artigo explicando por que ele é enganoso.
O Rappler disse em um comunicado que pretende continuar trabalhando com o Facebook “para proteger os filipinos da manipulação e dos perigos da desinformação”.
“O que aconteceu nos Estados Unidos é apenas o começo”, disse o meio de comunicação co-fundado pela jornalista.
Ressa há muito tempo sustenta que as acusações contra ela e o Rappler foram motivadas politicamente e resultaram de suas reportagens críticas às políticas do governo de Duterte.
Trump, que em sua primeira coletiva de imprensa pós-eleitoral prometeu “endireitar” a imprensa “corrupta” dos EUA, parece ter seguido o exemplo de Duterte, segundo Ressa.
O presidente eleito dos EUA tomou medidas legais sem precedentes contra jornais e pesquisadores de opinião que, segundo os observadores, são indicativos de táticas crescentes de intimidação e censura. O republicano assumirá o cargo na Casa Branca em 20 de janeiro.
(N.Lambert--LPdF)