Exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha divide opiniões
Sob uma nuvem de poeira cinza, uma escavadeira carrega um caminhão com blocos de pedra contendo lítio, o chamado "ouro branco", essencial para a transição energética.
A movimentação do maquinário pesado é constante no coração do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, uma das regiões mais pobres do país.
Chamada por muito tempo de "vale da miséria", esta região do semiárido, onde moram cerca de um milhão de pessoas, vive a expectativa de mudança pela abundância de lítio, mineral usado na fabricação de baterias de carros elétricos.
Cerca de 85% das reservas do Brasil, quinto produtor mundial de lítio, estão nesta região.
Para atrair investidores estrangeiros, no mês passado, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e representantes do ministério de Minas e Energia estiveram na sede da bolsa eletrônica Nasdaq, em Nova York, para lançar o projeto "Lithium Valley" (vale do lítio).
- "Lítio verde" -
A empresa canadense Sigma Lithium assumiu a dianteira. Fundada em 2012, começou a extrair lítio no vale do Jequitinhonha há dois meses.
A meta é fornecer mineral suficiente para as baterias de mais de 600.000 veículos elétricos no primeiro ano e o triplo quando a produção alcançar seu ritmo normal.
A exploração de lítio não é livre de impactos ambientais: o tratamento do mineral exige enormes quantidades de água, enquanto as reservas se encontram, sobretudo, em regiões castigadas pela seca.
Mas a empresa diz produzir "lítio verde": na usina de tratamento do mineral, 90% da água são reutilizados, não há uso de produtos químicos, e os rejeitos são empilhados a seco, sem necessidade de barragens, afirma à AFP a brasileira Ana Cabral-Gardner, CEO da Sigma.
"Tentamos resolver a equação da sustentabilidade com a mineração", explica.
Para ela, isso virou "obrigação" após o rompimento de uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco em Mariana, 400 km ao sul do Vale do Jequitinhonha, que provocou uma catástrofe ambiental sem precedentes no país.
No ano seguinte, o fundo de investimentos de Ana se tornou o principal acionista da Sigma.
Ela explica que a mina da empresa no Vale do Jequitinhonha, chamada Grota do Cirilo, está dividida em duas para preservar um pequeno corpo hídrico que a atravessa, apesar da importante perda econômica que a medida representa.
- "As paredes tremem" -
Mas a ideia de transformar a região no "vale do lítio" também tem críticos.
"Aqui é o Vale do Jequitinhonha, é a nossa identidade. Para nós aqui não é o Vale do Lítio, aqui tem um povo", diz Aline Gomes Vilas, de 45 anos, membro do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), para quem os moradores do local não foram consultados suficientemente.
Ela mora em Araçuaí, uma das cidades vizinhas à mina da Sigma. "Era uma região tranquila, rural, e agora o barulho é constante. Já tem casas com rachaduras por causa das explosões" na rocha, garante.
As pedras detonadas são coletadas pelas escavadeiras e levadas em caminhões para serem processadas na usina.
"Tenho medro de lascar as paredes de casa porque a casa balança toda quando explode", concorda Luiz Gonzaga, lavrador de 71 anos, que mora ao lado da mina.
"Agora que a mina ainda está longe, a poeira já está perturbando. Imagina quando estiverem trabalhando aqui perto", reclama.
Ilan Zugman, diretor da ONG 350.org para a América Latina pede mais atenção aos moradores do local.
"O Vale do Jequitinhonha já passou por várias fases de extração. Teve corrida do ouro, teve diamantes, e é uma região muito pobre. Nunca essas extrações permitiram o desenvolvimento (...) A gente defende que a transição energética aconteça, mas para ser justa, inclusiva, precisa levar em conta as questões sociais locais", afirma.
- Menos restrições -
Elaine Santos, pós-doutoranda do Programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, critica que o lítio extraído no Brasil seja destinado quase exclusivamente à exportação.
"A política brasileira ainda está bastante limitada. Tanto os Estados Unidos quanto a Europa têm se estruturado com uma estratégia da mina até a produção do veículo" elétrico, afirma.
"O Brasil pode acabar aprofundando sua dependência, de ser um país que só exporta matéria-prima, com baixo valor agregado", alerta.
A extração do lítio no Brasil remonta à década de 1920, mas a situação mudou após um decreto de julho de 2022, último ano do governo de Jair Bolsonaro. O texto tornou o mercado mais atraente para os investidores estrangeiros, especialmente por suspender restrições sobre as exportações do mineral.
A troca de governo não mudou o interesse em nível federal na exploração do lítio na região. Em maio, Vitor Saback, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Nova York para promover o "vale do lítio".
Já no Chile, segundo produtor mundial de lítio, o presidente Gabriel Boric anunciou recentemente medidas para fortalecer o controle estatal sobre a extração.
(A.Renaud--LPdF)