Reforma de Milei avança no Senado após jornada de graves incidentes
A reforma do Estado do presidente argentino, Javier Milei, deu um passo crucial nesta quarta-feira (12) no Senado, que a aprovou com o voto de desempate da presidente da Câmara alta, em uma jornada marcada por distúrbios em frente ao Congresso que deixaram cerca de vinte feridos e detidos, além de carros incinerados.
"Por esses argentinos que sofrem, que esperam, que não querem ver seus filhos deixarem o país [...], meu voto é afirmativo", disse a líder do Senado e também vice-presidente do país, Victoria Villarruel, após o empate de 36-36 na votação "em geral" do texto, que continua sendo discutido título por título.
Este é o primeiro apoio legislativo após seis meses de governo de Milei, cujo pequeno partido A Liberdade Avança é minoritário em ambas as câmaras, com apenas sete das 72 cadeiras no Senado.
Se for finalmente aprovado - o que se espera para a madrugada de quinta-feira -, o texto retornará à Câmara dos Deputados para sua sanção final.
Enquanto a sessão ocorria, milhares de pessoas se reuniram ao redor do Congresso em repúdio ao projeto e ao draconiano ajuste fiscal do presidente.
Os distúrbios começaram quando a polícia repeliu com gás lacrimogêneo, tiros de balas de borracha e jatos de água um grupo que tentou ultrapassar as barreiras que isolavam o Congresso. Os manifestantes responderam atirando pedras nos policiais.
Sete pessoas, incluindo cinco deputados opositores, foram atendidas em um hospital após serem afetadas por gás lacrimogêneo da polícia, informou à AFP o Ministério da Saúde, e dezenas foram atendidas no local devido às inalações.
Um porta-voz do Ministério da Segurança assegurou à AFP que pelo menos dez pessoas foram detidas e nove policiais federais ficaram feridos. Além disso, dois carros foram incendiados, um deles da emissora Cadena 3.
"Roberto María La Cruz Gómez, sou peronista e venho para que a lei Bases não seja aprovada, porque sou argentino!", gritou um jovem enquanto era detido por policiais federais.
O escritório da Presidência denunciou na rede social X "os grupos terroristas que, com paus, pedras e até granadas, tentaram perpetrar um golpe de Estado", ao mesmo tempo em que o presidente fazia um discurso em um fórum econômico no qual não se referiu a uma suposta tentativa.
O governo tem reformas estruturais pendentes que "vai levar a cabo, queira ou não queira a política", disse Milei, que deve partir para a Itália para participar da cúpula do G7.
- Lei Bases -
O debate ocorre em um contexto de recessão em que a atividade industrial e o consumo despencaram, metade da população está na pobreza, milhares foram demitidos, a inflação é de quase 300% interanual e salários e aposentadorias perderam poder aquisitivo.
Ao anoitecer, havia vários focos de protestos espontâneos em diferentes pontos de Buenos Aires e ouviam-se panelas e buzinas. Em uma partida da liga profissional de futebol, torcedores do Argentinos Juniors - berço de Diego Maradona - cantaram "A pátria não se vende!".
Em seus 238 artigos, a Lei Bases inclui incentivos a grandes investimentos por 30 anos, uma reforma trabalhista, privatizações e uma polêmica delegação de poderes legislativos ao presidente ultraliberal.
Esses dois últimos componentes foram aprovados pelos senadores após a votação "em geral".
- 'Ninho de ratos' -
O caminho legislativo foi árduo para Milei. O projeto naufragou em sua primeira tentativa na Câmara dos Deputados e, para reavivá-lo, o governo fez inúmeras concessões, reduzindo seu conteúdo original de 600 artigos para um terço.
No meio dos impasses, o presidente anarcocapitalista qualificou o Congresso como "ninho de ratos", entre outros insultos contra legisladores e governadores.
"Desde o FMI até os investidores estrangeiros, muitos atores dizem que, para que a proposta de Milei seja crível, são necessárias leis do Congresso, são necessários acordos, é necessário um Estado mais ou menos funcionando", comentou à AFP Iván Schuliaquer, cientista político da Universidade de San Martín.
Dessa forma, a decisão do Senado representa para o mandatário um pequeno respaldo em meio a vários golpes em diferentes frentes.
O Senado também debaterá uma reforma fiscal paralela, que inclui reinstalar um imposto sobre os lucros para tributar salários e aposentadorias.
(F.Bonnet--LPdF)