Reforma de Milei aprovada no Senado após jornada de graves incidentes
A reforma do Estado do presidente argentino, Javier Milei, foi aprovada com modificações na madrugada de quinta-feira (13) pelo Senado após uma longa sessão que começou na manhã de quarta-feira e foi marcada por distúrbios em frente ao Congresso que deixaram quase 20 feridos e detidos, além de carros incinerados.
"Por esses argentinos que sofrem, que esperam, que não querem ver seus filhos deixarem o país [...], meu voto é afirmativo", disse a líder do Senado e também vice-presidente do país, Victoria Villarruel, após o empate de 36-36 na votação "em geral" do texto, que depois foi discutida título por título.
A presidência celebrou a "aprovação histórica" da chamada Lei Bases para desregulamentação da economia, que voltará à Câmara dos Deputados para a sanção final da "reforma legislativa mais ambiciosa dos últimos 40 anos".
Este é o primeiro apoio legislativo após seis meses de governo de Milei, cujo pequeno partido A Liberdade Avança é minoritário em ambas as câmaras, com apenas sete das 72 cadeiras no Senado.
O caminho no Legislativo foi difícil. O projeto fracassou na primeira tentativa na Câmara dos Deputados e, para recuperá-lo, o governo fez muitas concessões até reduzir seu conteúdo original de 600 artigos para um terço.
No debate individual dos dez títulos, os senadores aprovaram a polêmica delegação de poderes legislativos ao presidente ultraliberal.
"Realmente querem que deleguemos poderes legislativos para melhorar o funcionamento do Estado ao presidente que diz que ama ser aquele que vai destruir o Estado por dentro?", questionou a senadora Juliana Di Tullio antes da votação, citando uma declaração recente de Milei.
O Senado passou a discutir uma reforma fiscal paralela, que inclui o retorno de um imposto para tributar salários e pensões.
- Incentivo aos investimentos -
Também foi aprovado um polêmico incentivo aos grandes investimentos, que oferece vantagens fiscais, aduaneiras e cambiais durante 30 anos a capitais estrangeiros que superam 200 milhões de dólares.
"Estamos dando um cheque em branco que não sabemos quanto vai custar por 30 anos, além da prioridade no uso dos recursos naturais", disse o senador Martín Lousteau.
O empresário americano Elon Musk, que participou na quarta-feira em uma videoconferência durante a qual Milei apresentou sua teoria econômica, encorajou os argentinos a "dar completo apoio ao presidente para levar adiante esta experiência porque, claramente, as políticas do passado não funcionaram".
Dono da fabricante de carros elétricos Tesla, Musk já se encontrou algumas vezes com Milei e demonstrou interesse na Argentina, que é uma das principais reservas mundiais de lítio, fundamental para a fabricação de baterias.
Entre os 238 artigos da Lei Bases, também foi aprovada a possibilidade de privatização de algumas empresas - mas as negociações deixaram a Aerolíneas Argentinas de fora da lista -, assim bem como uma reforma trabalhista que amplia o período de teste e flexibiliza o sistema de indenizações para as demissões.
"Viemos para transformar a realidade", disse o governista Ezequiel Atauche ao justificar seu voto a favor.
- Batalha campal -
Durante a sessão, milhares de pessoas se reuniram ao redor do Congresso em repúdio ao projeto e ao draconiano ajuste fiscal do presidente.
A polícia repeliu com gás lacrimogêneo, tiros de balas de borracha e jatos de água um grupo que tentou ultrapassar as barreiras que isolavam o Congresso. Os manifestantes responderam atirando pedras nos policiais, o que gerou uma batalha campal e deixou dois carros incendiados.
Sete pessoas, incluindo cinco deputados opositores, foram atendidas em um hospital após serem afetadas por gás lacrimogêneo da polícia, informou à AFP o Ministério da Saúde, e dezenas foram atendidas no local devido às inalações.
Um porta-voz do Ministério da Segurança assegurou à AFP que pelo menos 10 pessoas foram detidas e nove policiais federais ficaram feridos.
"Roberto María La Cruz Gómez, sou peronista e venho para que a lei Bases não seja aprovada, porque sou argentino!", gritou um jovem enquanto era detido por policiais federais.
A presidência denunciou na rede social X "os grupos terroristas que, com paus, pedras e até granadas, tentaram perpetrar um golpe de Estado".
O debate ocorreu em um contexto de recessão em que a atividade industrial e o consumo despencaram, metade da população está na pobreza, milhares foram demitidos, a inflação é de quase 300% interanual e salários e aposentadorias perderam poder aquisitivo.
Ao anoitecer, vários focos de protestos espontâneos em diferentes pontos de Buenos Aires foram registrados e ouviam-se panelas e buzinas. Em uma partida da liga profissional de futebol, torcedores do Argentinos Juniors - berço de Diego Maradona - cantaram "A pátria não se vende!".
(R.Dupont--LPdF)