Cessar-fogo de 72 horas no Sudão não é respeitado
Um cessar-fogo de 72 horas entre os dois generais que disputam o poder no Sudão entrou oficialmente em vigor nesta terça-feira (25), mas testemunhos relataram novos bombardeios após dias de combates que deixaram centenas de mortos e provocaram uma fuga em larga escala de estrangeiros.
O Exército do general Abdel Fatah al Burhan bombardeou posições das paramilitares Forças de Apoio Rápido (FAR) nos arredores da capital Cartum, que responderam com tiros de metralhadoras, segundo testemunhos dados à AFP.
Outros testemunhos informaram de bombardeios contra veículos das FAR, comandadas pelo general Mohamed Hamdan Daglo, no norte de Cartum.
Em um vídeo, o grupo paramilitar afirma ter tomado o controle de uma refinaria e de uma central elétrica 70 km ao norte da capital, de cinco milhões de habitantes.
O Exército tinha alertado no Facebook para um "grande manobra [das FAR] na direção da refinaria com o objetivo de aproveitar a trégua" para tomar o local.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, havia anunciado na segunda-feira um cessar-fogo de três dias no Sudão após "negociações intensas" entre as partes.
Também observou-se um cessar-fogo na região norte de Darfur, no leste do país, há vários dias, informou a ONU.
Mas testemunhas disseram à AFP que viram confrontos entre o Exército e as FAR em Wad Banda, no Cordofão Ocidental, uma região fronteiriça mais ao sul.
Como aconteceu nos anúncios anteriores de cessar-fogo, os lados se acusam mutuamente de não respeitá-lo.
Os confrontos que explodiram em 15 de abril deixaram 450 mortos e mais de 4.000 feridos, de acordo com as agências da ONU.
- Evacuações de estrangeiros -
As Forças para a Liberdade e a Mudança, o principal bloco civil que os dois generais que agora disputam o poder derrubaram em um golpe em 2021, confiavam que a trégua permitiria "diálogo nas modalidades de um cessar-fogo permanente".
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, elogiou o anúncio da trégua e exortou o Exército e as FAR a respeitar o acordo "plenamente".
A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez um alerta para riscos biológicos "elevados" no Sudão após a ocupação de um laboratório nacional de saúde onde há agentes patógenos de sarampo, cólera e poliomelite.
Vídeos publicados na internet - que não tiveram a autenticidade comprovada - mostram o cenário de violência e ataques dos últimos dias: estabelecimentos comerciais incendiados, imóveis destruídos e civis perambulando entre os escombros ainda em chamas.
Antes do cessar-fogo, várias nações conseguiram negociar com os dois lados beligerantes a retirada de funcionários diplomáticos e de cidadãos de seus países.
Mais de 1.000 cidadãos da União Europeia deixaram o Sudão, segundo Borrell. A Espanha anunciou a saída de 100 pessoas, inclusive de latino-americanos.
China, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e vários países árabes também anunciaram a retirada de centenas de pessoas.
Além disso, quase 700 funcionários da ONU, de embaixadas e de organizações internacionais foram levados para Porto Sudão, uma cidade às margens do Mar Vermelho, segundo as Nações Unidas.
A Agência da ONU para os Refugiados calcula que até 270.000 pessoas podem fugir para o Chade e o Sudão do Sul.
As pessoas que não conseguiram fugir do fogo cruzado tentam sobreviver sem o fornecimento de água ou energia elétrica, escassez de alimentos e cortes de internet e das linhas telefônicas.
Aqueles que não conseguem escapar do fogo cruzado estão tentando sobreviver sem água ou eletricidade, com escassez de alimentos e cortes de internet e telefone.
Essa espiral "arrisca uma conflagração catastrófica dentro do Sudão que pode envolver toda a região e além", disse Antonio Guterres.
- Idosos e bebês -
Apesar da saída de muitos diplomatas estrangeiros, o enviado da ONU ao Sudão, Volker Perthes, continua no país do leste africano.
Nos últimos quatro anos, ele vem negociando com os militares para que aceitem a transição para a democracia.
"À medida que os estrangeiros fogem - os que conseguem -, o impacto da violência em uma situação humanitária já crítica no Sudão é agravado", alertou a ONU.
Bloqueadas no fogo cruzado, as agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias suspenderam as atividades no país.
Cinco trabalhadores humanitários - quatro deles da ONU - morreram e, de acordo com o sindicado dos médicos, quase 75% dos hospitais do país estão foram de serviço.
Quase 200 pessoas de mais de 14 países desembarcaram na segunda-feira à noite de um navio na cidade costeira de Jidá, na Arábia Saudita. Entre as pessoas que fugiram do Sudão estavam idosas em cadeiras de rodas e bebês carregados pelos pais.
A disputa entre Burhan e Daglo, que se aliaram para derrubar civis do poder, surgiu de planos de integrar as FAR ao Exército.
(M.LaRue--LPdF)