'Foi como o apocalipse', sírios recordam os 10 anos de ataque químico em Guta
Sírios que habitam áreas controladas por rebeldes recordam nesta segunda-feira (21) os 10 anos dos ataques químicos que mataram cerca de 1.400 pessoas perto de Damasco, um dos piores momentos do conflito que permanecem impunes.
"Estava em estado de choque. Senti o cheiro da morte. Encontrei muita gente ferida ou morta. Foi como o Apocalipse", disse o paramédico Mohammed Sleiman de Zamalka, no leste de Guta, relembrando o dia em que perdeu cinco familiares.
Em 21 de agosto, as forças do regime de Bashar al-Assad atacaram o leste de Guta e Muadamiyat al Sham, áreas controladas por rebeldes fora da capital.
A oposição acusou o regime de utilizar gases tóxicos no ataque, que deixou 1.400 mortos, incluindo 400 crianças, uma ação que o Governo negou.
No domingo (20), sobreviventes e ativistas se reuniram em vários locais no norte e noroeste da Síria, controlados pela oposição, para relembrar o aniversário. Em Afrin, as vítimas que sobreviveram compartilharam suas histórias enquanto crianças faziam uma pequena apresentação recriando o ocorrido.
"Não estamos organizando este evento para lembrar o massacre (...) Estamos lembrando ao mundo... de seu fracasso em apoiar a justiça e os direitos. Continuaremos a insistir na necessidade de que Bashar al-Assad seja responsabilizado", disse Mohammed Dahleh, um sobrevivente de Zamalka que ajudou a organizar o evento em Afrin.
A porta-voz co Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Adrienne Watson, afirmou nesta segunda-feira que os ataques foram "repugnantes".
"O regime de Assad, apoiado pela Rússia, espera que o mundo esqueça as atrocidades que ocorreram na Síria. Não faremos isso", disse Watson em um comunicado.
- Trauma -
A guerra civil síria eclodiu em 2011, depois que uma repressão do governo a protestos pacíficos se transformou em um conflito mortal que atraiu potências estrangeiras e jihadistas globais.
Desde então, a guerra já deixou mais de 500 mil mortos e forçou metade da população a fugir do país.
Sleiman conta que encontrou seus familiares em um hospital.
"Encontrei meu pai e todos os vizinhos, todos com números, sem nomes. Lembro que o meu pai era o número 95. Identifiquei os corpos das pessoas que conhecia", relembrou.
Mais tarde, o paramédico de 40 anos soube que seu outro irmão, cunhada e dois sobrinhos também foram mortos no ataque.
"Cavamos uma vala comum para centenas de pessoas e as enterramos próximas umas das outras. Quando conto a história, consigo vê-la na minha frente como se fosse agora", lembrou, acrescentando que estava recebendo ajuda psicológica para lidar com o trauma.
Em 2013, ativistas publicaram no YouTube dezenas de vídeos que supostamente mostravam os efeitos do ataque, incluindo imagens de dezenas de corpos, crianças inconscientes, pessoas espumando pela boca e médicos aparentemente dando-lhes oxigênio para ajudá-los a respirar.
As cenas geraram repulsa e condenação em todo o mundo, com um relatório subsequente da ONU afirmando que havia evidências claras de que o gás sarin havia sido utilizado.
O regime de Bashar al-Assad concordou em se juntar à Organização Mundial para a Proibição de Armas Químicas (Opaq) em 2013 e a renunciar a todas as suas armas químicas. Desde então, a Opaq culpou o regime por uma série de ataques químicos durante a guerra civil síria e, em 2021, suspendeu os direitos de voto do país após ataques com gás venenoso contra civis em 2017.
(P.Toussaint--LPdF)