Grupos protestam no Peru contra decreto que descreve transexualidade como 'transtorno mental'
O governo peruano descartou nesta sexta-feira (17) a revogação do decreto que classifica a transexualidade como "transtorno mental", apesar do protesto de grupos que defendem a diversidade sexual contra o uso oficial de uma antiga classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mais de 200 ativistas de coletivos LGBTQIAPN+ protestaram na tarde de hoje em frente à sede do Ministério da Saúde, em Lima, para exigir a revogação de uma norma em vigor desde o último dia 10, que, segundo eles, incentiva a discriminação e violência contra seus membros.
"É um decreto que nos faz retroceder mais de três décadas, quando a homossexualidade deixou de ser catalogada pela OMS. Não podemos viver em um país onde nos consideram doentes", disse à AFP Jorge Apolaya, porta-voz do Coletivo Marcha do Orgulho Lima.
A manifestação, que aconteceu ao ritmo de batucadas, coincidiu com o Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. Os manifestantes bloquearam por algumas horas a avenida onde fica o ministério. A polícia limitou-se a observar.
“Exigimos a revogação, porque estigmatiza as identidades transgênero", disse a diretora da associação TRANSformar, Maju Carrión. “Não podemos ser catalogados como doentes mentais, por isso é importante uma lei de identidade de gênero”, acrescentou Micaela Casa, do coletivo Assembleia Migrantes e Refugiados da Pátria Grande.
- 'Interpretação errônea' -
Um porta-voz do Ministério da Saúde alegou que a anulação do decreto impediria que os afiliados ao sistema de saúde, principalmente o privado, tenham acesso a mais serviços de saúde mental. "O decreto será mantido, porque não podemos tirar o direito ao atendimento", disse à AFP Carlos Alvarado, diretor do ministério.
Segundo o porta-voz oficial, "houve uma má leitura e interpretação errônea" do decreto. A transexualidade "não é um problema de saúde mental e concordamos com isso, a tal ponto que existem vários documentos ministeriais que o especificam", disse Alvarado.
O decreto atualiza o Plano Essencial de Saúde (PEAS), lista de benefícios mínimos a que tem direito um afiliado da saúde pública, mista ou particular. Porém, usou uma classificação antiga da OMS, conhecida como CID-10, com a descrição que colocava os grupos LGBTQIPAN+ em alerta.
A partir de 2022, a organização deixou de caracterizar a transexualidade como um transtorno mental. Alvarado insistiu que a intenção do governo era expandir os cuidados de saúde mental para tratamentos ambulatoriais, psiquiátricos e endocrinológicos derivados da identidade de gênero, que antes do decreto não eram cobertos, principalmente por planos particulares.
"A ideia é fazer a transição para a CID-11 o mais rápido possível", disse Alvarado, sem especificar se isso implicaria a emissão de um novo decreto posteriormente.
- Consequências -
Para os coletivos LGBTQPIAN+, enquanto a norma permanecer em vigor, os seus membros estão expostos a "graves consequências", como à criticadas terapias de conversão, equiparadas pela ONU à tortura.
"Não devemos esquecer que as terapias reparadoras consistiam em tratamentos (como) eletrochoque, banhos de gelo", comentou o porta-voz do Coletivo Marcha do Orgulho de Lima.
O Peru não reconhece o casamento ou a união civil entre homossexuais, nem permite que pessoas trans incluam a sua identidade de género nos seus documentos.
Em um artigo publicado em seu site, a ONG Human Rights Watch (HRW) também chamou a atenção para os efeitos "deste decreto tendencioso e não científico".
"Patologizar oficialmente as pessoas LGBT (...) pode prejudicar seriamente os esforços para melhorar a proteção dos direitos baseados na orientação sexual e na identidade de gênero", alerta a organização.
(E.Beaufort--LPdF)